Mais de 16 mil crianças de 121 países dizem aos adultos responsáveis como eles devem agir em relação ao meio ambiente para lhes garantir o direito a um futuro
Francisco Vera Manzanares, um dos 12 conselheiros infantis que contribuíram junto à ONU com recomendações de conduta em relação à crise climática, fala ao Lunetas sobre uma revolução dos sentimentos e pede mais empatia com as demais espécies que habitam o planeta.
“A natureza estaria muito melhor sem nós”, diz o ativista colombiano Francisco Vera Manzanares, 14. “Ela estaria se desenvolvendo em normalidade, sem as complicações que causamos.” Mas a gente não deveria deixar de existir, defende. “Somos uma espécie a mais. Precisamos ser mais empáticos e pensar no coletivo pelas demais espécies.” Segundo ele, são os nossos sentimentos de arrogância, avareza, egoísmo que têm causado problemas ambientais e climáticos e que levaram várias outras espécies à extinção.
“A mudança da sociedade passa por uma mudança nos sentimentos das pessoas”
Com o avanço da crise climática, Francisco sabe que, num futuro não muito distante, cada vez menos crianças terão a oportunidade de “ver a beleza da biodiversidade, a grandeza das florestas e dos animais”. Portanto, foi contra essa realidade que decidiu lutar.
Ele foi um dos 12 conselheiros infantis que participaram da elaboração das recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre como governos, empresas, juízes e sociedade devem agir para garantir o direito de meninos e meninas a um meio ambiente limpo, saudável, sustentável e “com dignidade”, como acrescenta Francisco.
“Neste documento, as crianças reconhecem a importância das questões ambientais em suas vidas e ressaltam que suas vozes têm um impacto global na proteção ambiental”, diz Letícia Carvalho, advogada e assessora internacional do Instituto Alana. Entre outras organizações da sociedade civil de todo o mundo, o Instituto Alana contribuiu com o CG26 trazendo a perspectiva do sul global e um olhar prioritário para as infâncias indígenas. No Brasil, mais de 40 milhões de crianças e adolescentes estão expostos a ameaças e riscos de desastres ambientais, diz o relatório do Unicef.
“Garantir os direitos das crianças não pode partir apenas da visão dos adultos, mas incluir verdadeiramente os nossos desejos e as nossas necessidades”, diz Francisco. Ou seja, as crianças não ocupam apenas um lugar de vulnerabilidade, elas reivindicam o protagonismo de participar ativamente das soluções propostas. “Podemos falar por nós mesmos, só precisamos estar em espaços reais de tomada de decisão.”
Nesse sentido, buscou-se “uma abordagem mais representativa das experiências em relação ao meio ambiente de crianças de diferentes gerações a nível mundial”, comenta Danilo Moura, oficial de monitoramento e avaliação do Unicef no Brasil. Para ele, ao mesmo tempo que as crianças são as principais vítimas por serem privadas do direito a viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado, olhar para a crise do clima e pensar em respostas é justamente uma forma de garantir a elas esse direito.
Apesar de se referir à emergência climática como “a crise do não futuro”, Francisco acredita que ainda existe tempo para fundar uma sociedade que respeita as crianças e a natureza. Para isso, é fundamental receber educação ambiental, pois é a informação que mostra como aproveitar a oportunidade de agir. “Tudo bem manifestar indignação, mas é preciso transformar esse sentimento em ações e em compromissos.”
“É por meio da ação que a ecoansiedade se transforma em ecoesperança”
Embora Francisco reconheça que “as crianças não deveriam ter um desafio tão grande”, ele e outras crianças e adolescentes escreveram uma carta endereçada a líderes políticos colocando sua cidadania a serviço da vida. Além de pedirem por medidas para superar “a pior crise que a humanidade enfrenta, que é a crise do não futuro”, um sinal de “fracasso de uma sociedade que desconsiderou a vida”, eles destacam que a ecoesperança é a única opção para unificar um planeta “dividido entre a vida e a morte das espécies que o habitam, devido às mudanças climáticas”.
Educadores, pais e cuidadores têm papel fundamental como ativadores da curiosidade infantil pelo ativismo climático, diz. “Muitas vezes as próprias crianças se mobilizam, mas os adultos podem ajudá-las a alcançar suas metas na luta por seus direitos.” Nesse sentido, a mãe de Francisco, Ana Maria Manzanares, compartilha que as opiniões do filho sempre foram bem-vindas e acolhidas desde a infância.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos, 1,7 milhão de crianças com menos de cinco anos morrem por causas ambientais evitáveis. Elas são decorrentes de uma tripla crise planetária, que é a emergência climática, o colapso da biodiversidade e a poluição generalizada. Para garantir os direitos ambientais de meninas e meninos, as principais recomendação do CG26 envolvem:
Como diz o artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Os Comentários Gerais apresentam aos 196 países signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança como devem atuar em relação a um tema específico. Neste comentário geral de número 26, a ONU traz determinações com especial enfoque nas mudanças climáticas. Foram mais de 16 mil crianças e adolescentes de 121 países contribuindo nas fases de elaboração do CG26. Também da América do Sul, participaram Esmeralda, 16, do Peru, e Tânia, 14, do Brasil.